"É preciso a coragem de ser um caos para gerar uma estrela dançarina." - F. Nietzche.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Você está Detido!

Viagem no tempo. Peguem seus relógios mentais e ajustem eles para o dia em que nasceram. Eu vos pergunto, nasceram livres? Nasceram homens e mulheres? Nasceram com uma etiqueta que incluíssem seus nomes, endereços, número de RG, CPF, conta bancária e matrícula escolar?
É tão raro ver as pessoas questionando hoje em dia, as premissas mais básicas sobre simplesmente TUDO! Existem aqueles que questionam a religião e já se sentem os rebeldes que encontraram a saída da caverna. Mas quantas vezes já pararam para questionar o mito da cidadania?

Você nasce e ninguém te pergunta o que você quer. Ninguém questiona se você deseja ou não ir para a escola, ou fazer parte da sociedade. Vão logo te vestindo em um uniforme, e te empurrando para dentro de um quartel general, onde você é obrigado a sentar horas a fio em uma carteira gelada, enfileirada com outras carteiras, com outras crianças nelas, todas, na mesma situação atordoante que a sua.

Te resumem a alguns números. Se você já nem teve o direito de escolher o seu nome, também não vai ter direito a escolher o seu número de matrícula, ou o seu número de RG. Você já nasceu imerso nesse sistema, e pouco tem escolha de questionar. Tudo parece muito lógico, muito correto e coerente. Mas a loucura tem raízes tão profundas que fica difícil enxergar qualquer luz do fim do abismo.
Você cresce, recebe uma carteira de trabalho e, também, a obrigação de se apresentar uma vez a cada dois anos para participar do fantástico processo democrático (com risco de ter seus direitos cerceados caso não o faça). Está é muito mais para processo burocrático, por meio de onde você escolhe um entre alguns personagens de ficção pública para representar as suas vontades e interesses na máquina administrativa da sociedade - o governo.

O que nos prende ao chão? O que nos impede de transcender a Ordem estática das relações de poder e submissão? Tudo não passa de uma ficção, mas ainda assim, continuarmos interpretando os mesmos papeis pré-programados, sem hesitar, sem questionar. O Processo - Franz Kafka, também é uma obra de ficção, mas transmite muito bem a realidade, ainda que de uma forma pitoresca e perturbadora.

Eu devo concordar que foi uma das leituras mais difíceis e complicadas com a qual eu tive de lidar. A linguagem arcaica, os rodeios e rodeios nos diálogos, tudo isso cria uma atmosfera intragável, mas tudo se encaixa genialmente no contexto da obra. Bons livros, são aqueles que te forçam atravessar a experiência do protagonista. Se o processo ao qual Josef K. é submetido, o sufoca, o entedia e perturba, nada mais brilhante do que obrigar o leitor a sentir semelhante sensação com a leitura!

Certa manhã, Josef K. acorda e percebe que foi detido. Dois guardas vigiam sua porta do lado de fora. Ele não pode ir trabalhar, não pode sair do quarto. Ele deseja saber por que, mas ninguém o informa. Deseja conhecer a acusação que fizeram contra ele, mas ninguém tem permissão para lhe contar. Mais provavelmente por que, ninguém conhece a natureza da acusação.

Ele consegue prosseguir com a sua vida, em ritmo praticamente normal, com exceção de ter o processo à sombra de cada passada, de cada encontro e de cada caminho que ele toma. É chamado para prestar depoimentos, chega a procurar um advogado! Mas nada pode ajuda-lo a compreender melhor a natureza do processo ao qual está submetido, e muito menos pode compreender melhor a natureza da justiça que o julga.

Um sistema velado, uma máquina gigantesca, com engrenagens e mecanismos que extrapolam a visão. Nada pode capturar a magnitude do sistema em apenas uma frame. Não é assim que vivemos, quando convivemos em sociedade civil?

Josef K. não tem oportunidade ou a chance de escolher se ele irá ou não se submeter ao processo. Sem razão aparente, ele está em dívida. Sem uma motivação plausível, ele se vê forçado a se dedicar ao que, a princípio, ele considerou ser uma ameaça risível. Não estamos, nós mesmos, submetidos a mecanismos aos quais não se justifica? Por que temos que pagar impostos? Por que o estado tem o direito de meter a mão em nossos bolsos, sem nem mesmo questionar se concordamos com isso? Sob risco de sermos detidos e intimados caso resistirmos a ceder nossas reservas, somos furtados todos os dias! (nos bancos, no comércio, e até pelo ar que respiramos nós pagamos um preço!)

Somos todos prisioneiros. Estamos todos, como Josef, com um processo sob nossas costas, acusados e endividados sem compreender por que ou como. Temos de trabalhar para nos sustentar, sem nunca questionar se não existe outra forma de sobrevivência. O estado obriga a frequentarmos as escolas, mas não se compromete em fazer um controle eficaz da qualidade do sistema escolar. (Se você pensava que existia qualquer controle de qualidade rigoroso na educação brasileira, sinto muito em frustar suas ilusões).

Eu não pretendo especificar detalhes da história do livro, mas me queixo em fazer uma advertência, em prol de evitar interpretações ingênuas sobre o livro. É notável como nesse romance kafkaniano a mulher é uma figura que se apresenta, majoritariamente, como uma prostituta. E eu não disse no sentido de profissionais do sexo a quem o protagonista procura, mas me refiro a mulheres que, na história, têm íntimo contato com os oficiais da justiça e se oferecem (sensualmente) ao protagonista. Assim como se oferecem para ajuda-lo a exercer influência sobre os juízes para favorece-lo no processo.

Essa representatividade, poderia ser imaginada como machista, ou como algo que intenta em atingir a imagem da mulher. Mas não sejam ingênuos! Franz Kafka vivia em um período em que a sociedade era extremamente machista, portanto não seria muito mais do que natural essa visão. Tanto por que, ao que eu percebi, a intenção era usar a imagem da mulher como uma representação da promiscuidade e corrupção do próprio sistema. Sim! No livro, a mulher representa a corrupção do estado, feita para atender aos interesses dos poderosos. Eu poderia entregar mais alguns detalhes do desfecho do livro, mas eu vou deixar para aqueles que se sentiram estimulados à leitura, buscarem perceber a quem as mulheres do livro realmente querem favorecer.

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