"É preciso a coragem de ser um caos para gerar uma estrela dançarina." - F. Nietzche.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Arte, Virgindade e os Estigmas

Aquele momento quando uma reportagem de um tabloide britânico é tão preconceituoso quanto um web-noticiário brasileiro:

Gay art student sparks outrage with plan to lose his virginity in front of audience of 100 then hold a question and answer session afterwards

Universitário vai perder virgindade anal em performance artística

(Leiam as duas notícias, se possível. Eu não vou me ocupar em copiar e colar as informações aqui, vou simplesmente debater o tema, OK?)

"Gay art student".. "estudante de arte gay", ou "estudante de arte, gay"? A diferenciação no tratamento já começa pelo título. Em um, o estudante, antes de qualquer outra coisa, é GAY. Na outra notícia, ele é, antes de tudo, um universitário. Em uma, ele vai perder a virgindade (sem rótulos à prática), na outra, ele vai perder especificamente a virgindade anal.

É fácil perder o foco ou o tema que está realmente em jogo com notícias como essa. Estudante, jovem, GAY, universitário, sexo ANAL, estudante de arte, GAY... Oh, é claro, e a VIRGINDADE.

Considerações:

1. Toda forma de expressão e arte deve ser livre de censura ou tabu. Se ele quer fazer o primeiro sexo anal de sua vida em frente a 50-100 pessoas, tal enquanto fato não deveria ser razão de censura ou crítica. É a vontade dele e, nesse sentido, ele merece respeito.

2. O tema a respeito da virgindade é um tema interessante e contemporâneo. Criou-se um estigma em torno da ideia de que pessoas sexualmente virgens, têm algo de especial ou debilitante. No caso, assume-se ou como um valor de moralidade maior (geralmente atribuído às mulheres virgens), ou representa uma debilidade social (no caso, para a maioria dos homens virgens com idade superior à que se consideraria desejado para que o homem já tivesse tido no mínimo sua primeira experiência sexual).

3. Arte, enquanto arte, já não admite ser contestada em relação à sua natureza, mas pode ter seu rigor, qualidade, ou primor artístico contestado e avaliado. Ainda não é possível dizer que qualquer coisa é arte, pois enquanto processo de produção artística e cultural, a prática humana precisa estar imbuída de teoria. Se você faz qualquer coisa e exige o rótulo de arte para o seu feito, é bom você ter uma base teórica muito boa para defender a posição da sua prática enquanto arte.

E AÍ SEGUE QUE...

Um parâmetro interessante para testar a real repercussão da ideia desse estudante é substituir o sujeito por outro: E se fosse uma mulher, estudante de arte, 19 anos, que decidisse perder a virgindade em palco, para depois gerar uma discussão sobre o ato? As pessoas encarariam a notícia com outros olhos? Evidentemente que sim, pois o estigma que tomaria lugar da discussão em relação à virgindade, seria o estigma em relação à mulher (e não em relação ao homossexual, como no caso de Clayton). Se Clayton é o viadinho que quer queimar a rosca, a mulher quer chamar a atenção colocando a própria virgindade a preço e exibição (como no caso da nossa amiga Catarina Migliorini).

Ok, vamos mudar o sujeito outra vez. Homem, heterossexual cis-gênero, estudante de arte, 19 anos. Vai perder a virgindade em palco com uma amiga. Talvez aí, tem-se  a possibilidade de colocar em destaque a questão da virgindade. Afinal, é um homem, não bastando, um homem VIRGEM. Vai valer aqui, o estigma do virjão, do impotente, e assim o tema da virgindade ganharia ainda maior potencia!

O debate sugerido é esse. Perder a virgindade te torna alguém diferente? Muda em algum sentido a sua relação com outra pessoa? Afeta a sua vida de forma significativa? É distinguível, a olho nu (mas não com o sujeito desnudo), mudanças sensíveis no aspecto físico, psicológico, social, político ou biológico?

TER FEITO SEXO OU NÃO, FAZ DE VOCÊ ALGUÉM DIFERENTE DE QUEM ERA ANTES?

A discussão é interessante, sim. Já a proposta de intervenção artística idealizada por Clayton, eu não tenho muita certeza. Ele precisaria me apresentar uma monografia detalhando referências teóricas, com uma argumentação muito forte para me justificar uma simples performance sexual como sendo uma performance artística.

Talvez seja preconceito meu. Talvez não seja uma simples performance sexual. Talvez ele coloque umas luzes de neon no palco. Talvez ele coloque uma música de fundo bem dramática. Alguma sinfonia que comece serena e suave, até que no momento da penetração venham os trompetes e os graves fortes, combinando com a expressão de mais indignavelmente dor que Clayton fará nesse momento. As subjacentes idas e vindas de seu parceiro poderiam vir acompanhadas de notas de violino, bem ao modelo Tubarão. Até que a coisa fique mais agitada. Uma vez relaxado, Clayton mudará sua expressão, e então virão os orgasmos. Espasmos de notas agudas e eloquentes marteladas no prato e, mais um gemido e, o prato vibra outra vez... Enfim.

O ato e o tema já foram afirmados, ok. Questionável enquanto qualidade ou primor artístico, será o modo como Clayton irá elaborar a sua ideia. Conceitualmente, a proposta é boa, mas a aplicação ainda corre sérios riscos de deixar muito a desejar, em termos de arte e, por que não apontar, em termos de arte erótica? Abraços leitores!

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