"É preciso a coragem de ser um caos para gerar uma estrela dançarina." - F. Nietzche.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Memórias de Morte

Tal como uma fênix, tenho o mal costume de morrer e renascer todos os dias. Adquiri esse hábito com o passar dos últimos anos. A morte se tornou minha melhor companheira de jornada. Atormentado por memórias e projeções psíquicas que circulavam em torno de mim, levantei da cama e voltei para o computador, decidido a escrever mais um texto.

Dei-me a pesquisar diferentes artes do meu Arcano Maior predileto - A Morte. Acabei encontrando essa magnífica arte de Ma Deva Padma (para os não familiarizados, é o típico título de um sannyasin), que fez seu próprio Tarot Zen baseado na filosofia do Mestre Osho. A interpretação que ela deu para a carta d'A Morte não poderia ser mais sábia - Transformação

Estive a refletir sobre minhas memórias e o que elas representam para mim. Tanto as boas, quanto as ruins. Não é raro que nos percebamos apegados às boas histórias e momentos do passado. As animadas viagens escolares com os colegas de classe, as festas com aquela turma que nunca mais se reuniu, aqueles beijos e mordidas bem trocados em um motel barato.

É o ciclo do vício sensorial. A busca pelas mesmas experiências que já nos trouxeram alegrias (ou dores) no passado. Nos apegamos tanto a essas memórias, que vivemos a repetir as mesmas histórias para qualquer ouvinte que se disponha, feito discos arranhados, ou uma música programada para um replay solitário e pedante.

Acendo uma vela branca que permanece à minha esquerda, uma vela vermelha à minha direita. A combinação cromática me remete ao manto de Hermes, algumas vezes representado como O Mago I. Ele representa o potencial humano, o princípio da senda mística. Artistas natos, damos nossos primeiros passos no mundo com o entusiasmo de quem escala um Everest. O que aconteceu com essa animação toda? Será que ao longo do tempo, fomos desaprendendo a andar e nos acostumamos demais aos velhos hábitos, aos prazeres repetidos, ao gozo sofrido e curto?

Com sua poderosa foice, A Morte me ajuda a podar vários dos empecilhos que por ventura aparecem no meu caminho. Não! Não estou falando que ela mata meus inimigos (ao menos, não por mim). Ela desconstrói tudo o que é falso. Sobe a luz de seu olhar vermelho e flamejante, o falso perece e apenas a força natural do que é Verdadeiro, sobrevive.

Tens alguma dúvida disso? Pense, qual outra certeza maior você pode obter sobre a vida, senão, o fato de que ela acaba? A morte é sua maior aliada, pois ela é a base mais concisa sobre a qual pode apoiar suas convicções de mundo e suas perspectivas de vida.

A certeza sobre a morte é a certeza sobre a realidade de que tudo é passageiro. Você não pode levar suas riquezas materiais para o túmulo. Você não pode levar seus diplomas de mestrado para o mundo do Além, pois, lá, eles não tem qualquer valor. Suas realizações, conquistas, edificações, notas altas na escola... Nada disso tem qualquer valor em face da morte. E a coisa não para por aí! Pois nem mesmo as suas memórias são úteis! Se você não pode reanimar o passado nem mesmo enquanto ainda está vivo, pensa que essas memórias terão qualquer utilidade depois de morto?

Abraçar a morte é abraçar o transitório tal como um zen adere a um mantra. Em face a isso, não há tanto por que se preocupar se você conseguiu assumir o posto mais alto da sua empresa, nem mesmo se o seu tão estimado doutorado vai lhe render um Prêmio Nobel. Talvez não haja melhor atestamento de sabedoria do que perceber que viver em humildade é o maior de todos os desafios. Afinal, todos querem ser reconhecidos, todos querem ser memoráveis, grandes, famosos e adorados. Temos essa mania de acreditar que nossas opiniões e conquistas valem mais do que os ouros de todas as jazidas do Saara. Mais que todo o petróleo do mundo. Mas assim como toda essa materialidade mundana, nossos corpos perecerão sob a terra, corroídos pelas larvas do tempo e as bactérias do obsoleto.

Passei a tratar cada momento vivido, como mais um momento morrido - digno de esquecimento. Levo pouca bagagem para mim mesmo, da vida. Sigo caminhando com os bolsos semi-vazios, despreocupado.

Já machuquei muitas pessoas. Torturei e dominei mentalmente, certa vez, alguém cuja índole e intenções me eram suspeitas (apenas até o ponto de não chegar a conclusão nenhuma). Já trai excelentes amigos, embora me recuse a assumir total parte da responsabilidade. Por várias vezes, decepcionei dezenas de pessoas que contaram com a minha participação e apoio em seus projetos e planos mirabolantes. Eu nunca atestei ser uma pessoa boa, mas assim como reconheço que os bons momentos e boas ações pertencem ao passado (e portanto estão mortos), também aprendi a lidar melhor com meus erros. Aprendi a fazer pouco juízo dos resultados que obtenho, afinal, ganhar medalha de outro ou de bronze tanto faz. No fim, tanto eu quanto o segundo lugar vamos virar pó!

Diante da morte, todos vivemos em semelhante condição; a de humanos, mortais e criaturas incompletas (para não dizer incompetentes). Continuamos a dançar, nos esforçamos, bradamos, guerreamos, como se isso tudo significasse qualquer coisa. No fim das contas, tudo passa. E esse é um presságio que me desperta profunda esperança. Pois para mim, significa que eu sou livre para viver exatamente como quiser. Com todos meus erros e imperfeições, eu sou livre para ser o que me der na telha!

Não existe ninguém acima e nem abaixo de nós. E isso é libertador. Somos todos criaturas sofredoras. Quando deixarmos de competir para ver quem sofre mais, quem merece mais ou menos pena, vamos aprender a caminhar juntos. Vamos fazer dessa experiência a melhor de todas, não importando os resultados, mas a máxima apreciação pelos processos!

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